terça-feira, 23 de agosto de 2016

Eder Mauro X Lúcio Flávio e a imprensa livre

 juíza Eliane dos Santos Figueiredo, da 77ª Zona Eleitoral de Belém, integrante da Comissão de Propaganda Eleitoral, negou o pedido de antecipação de tutela feito pelo deputado federal Eder Mauro e seu partido, o PSD, contra o jornalista Lúcio Flávio Pinto e seu Jornal Pessoal. Ele queria a imediata apreensão de todos os exemplares da edição n.º 608 do JP com a matéria intitulada “O herói e o bandido”,  além da proibição de novas matérias sobre si, sob pena de multa diária de R$50 mil a Lúcio e ao JP.  O processo - acreditem! - versa sobre propaganda eleitoral negativa e extemporânea(!).

Eder Mauro alega que Lúcio extrapola os limites informativos em clara intenção de desmoralizá-lo e colocá-lo  em xeque perante a opinião pública. Aduz que divulga fato sabidamente inverídico quando afirma que responde a ações propostas pelo MP pedindo sua inelegibilidade por oito anos;  por doação acima do limite legal; e que o principal doador da sua campanha em 2014 foi a Odebretch. Afirma ainda que há na matéria claro objetivo eleitoreiro de negativar sua imagem enquanto candidato à Prefeitura de Belém.  

A juíza Eliane Figueiredo assim despachou: "Observa-se que a questão controvertida da presente representação reside na alegação de prática pelos representados de propaganda eleitoral extemporânea na modalidade negativa na medida em que o propósito da matéria seria mostrar que o pré-candidato Éder Mauro Cardoso Barra não tem condições de ser eleito e que sua eleição representaria um risco para a população. A análise da matéria identificada como propaganda extemporânea na modalidade negativa não revela o claro propósito eleitoral afirmado na inicial da Representação, em que pese o conteúdo político da matéria. O primeiro Representado é jornalista e expõe na matéria intitulada “O héroi e o bandido” sua crítica à segurança pública no Estado do Pará atribuindo a expressiva votação que o pré-candidato Éder Mauro Cardoso Barra teve nas eleições para deputado federal à sua condição de delegado de polícia. Se a matéria extrapola ou não os limites da informação, se faltou com a verdade ou mesmo se por seus termos feriu a honra das pessoas nela mencionadas não cabe a este Juízo eleitoral tal verificação (…) O que resta evidente na matéria impugnada é a manifestação política do autor da matéria, conduta expressamente ressalvada pelo inciso V do citado artigo 36-A, segundo o qual, não configura propaganda eleitoral antecipada a divulgação de posicionamento sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais. Convém salientar, que o primeiro Representado é jornalista e enquanto tal não está proibido por lei de realizar crítica política, está impedido sim, por imposição legal, de pedir voto antes do período de propaganda."

Parece óbvio que o deputado candidato Éder Mauro cometeu dois equívocos de uma só tacada: enquadrar jornalista em propaganda eleitoral negativa antecipada e requerer a censura, prática odiosa repudiada em qualquer Democracia no mundo inteiro.

Em memorável decisão proferida pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, na qual a Corte declarou que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) é incompatível com a Constituição Federal,  o ministro Celso de Mello destacou a Declaração de Chapultepec - adotada em março de 1994 pela Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão -, que enfatiza que o exercício da liberdade de imprensa “não é uma concessão das autoridades”, e sim “um direito inalienável do povo”, sustentando a magnitude de ordem político-jurídica da questão, sobretudo diante dos aspectos constitucionais. 

Nesse julgamento, "o STF pôs em destaque, de maneira muito expressiva, uma das mais relevantes franquias constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado democrático de direito”, conforme assinalou o ministro. 

“Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento”, lecionou Celso de Mello, citando, ainda, precedentes neste sentido do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. 

Disse o ministro, numa bela aula de cidadania e justiça, que deve ser ouvida e lida por aqueles que não conseguem aceitar críticas nem conviver a não ser com os áulicos: “Tenho sempre destacado , como o fiz por ocasião do julgamento da ADPF 130/DF, e, também, na linha de outras decisões por mim proferidas no Supremo Tribunal Federal (AI 505.595/RJ, Pet 3.486/DF), que o conteúdo da Declaração de Chapultepec revela-nos que nada mais nocivo, nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão (ou de ilegitimamente interferir em seu exercício), pois o pensamento há de ser livre – permanentemente livre, essencialmente livre , sempre livre !!!"

Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220). Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar e o direito de criticar. 

A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade. É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade. 

"É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.(…) Daí a existência de diversos julgamentos, que, proferidos por Tribunais judiciários, referem-se à legitimidade da atuação jornalística, considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos oficiais, qualificam-se como figuras públicas”. (…) É relevante observar que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em mais de uma ocasião, advertiu que a limitação do direito à informação (e, também, do poder-dever de informar), quando caracterizada mediante (inadmissível) redução de sua prática “ao relato puro, objetivo e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem compatível com o pluralismo, a tolerância (...), sem os quais não há sociedade democrática (...)” (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de 07/12/1976). 

Essa mesma Corte Europeia de Direitos Humanos, quando do julgamento do Caso Lingens (sentença de 08/07/1986), após assinalar que “a divergência subjetiva de opiniões compõe a estrutura mesma do aspecto institucional do direito à informação”, acentua que “a imprensa tem a incumbência, por ser essa a sua missão, de publicar informações e ideias sobre as questões que se discutem no terreno político e em outros setores de interesse público (...)”, vindo a concluir, em tal decisão, não ser aceitável a visão daqueles que pretendem negar, à imprensa, o direito de interpretar as informações e de expender as críticas pertinentes." 

E mais: "É preciso advertir, bem por isso, notadamente quando se busca promover a repressão à crítica jornalística, mediante condenação judicial ao pagamento de indenização civil, que o Estado – inclusive o Judiciário – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social. Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento. Isso, porque 'o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental' representa, conforme adverte Hugo Lafayette Black, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, “o mais precioso privilégio dos cidadãos (...)” 

O herói e o bandido


O deputado federal e delegado da polícia civil Éder Mauro utilizou este artigo, publicado na edição 608 (de junho) do Jornal Pessoal como pretexto para sua ação contra mim na justiça eleitoral.
A segurança pública é tão precária no Pará que um delegado de polícia e um oficial da PM são os candidatos com grande potencial de vitória nas duas maiores cidades do Pará: Belém e Ananindeua. Vendo um herói, o eleitor não acabará colocando no poder o seu oposto?
Um delegado da polícia civil e um coronel da Polícia Militar são candidatos às prefeituras das duas maiores cidades do Pará, onde se concentram dois milhões dos oito milhões de habitantes do Estado: Éder Mauro em Belém e coronel Neil Duarte de Souza em Ananindeua. Os dois são apontados como líderes pelas pesquisas realizadas até agora nos respectivos municípios da região metropolitana.
Ambos exercem seus primeiros mandatos eletivos, pelo mesmo partido, o PSD (Partido Social Democrático), comandado pelo ex-prefeito de São Paulo e ministro no governo de Dilma Rousseff, Gilberto Kassab. Eder Mauro foi diretamente a deputado federal – e com 266 mil votos, a maior votação da bancada paraense na eleição de 2014 (7% do total). Neil é deputado estadual. Teve 51 mil votos.
Em alguma das regiões metropolitanas do país há situação ao menos semelhante? Parece que não. Com apenas um ano e meio no exercício de função política, eles já se apresentam como detentores de uma representação suficientemente forte para serem considerados favoritos à chefia dos dois executivos municipais, passando à frente de políticos mais antigos e experientes.
Não é por acaso que os dois são da área de segurança pública e integram uma bancada que se expande nas diversas instâncias do parlamento. São policiais de linha de frente no combate ao crime e que defendem métodos violentos, a partir das premissas de que bandido é bandido e polícia é polícia. Pressupostos que conduzem a uma conclusão comum: bandido bom é bandido morto. Mesmo que só seja bandido na aparência.
Seu sucesso deriva do fato de que a insegurança pública é o problema mais grave de todos que assolam a população. Por uma razão evidente: todos os dias há assassinatos, o crime que acaba com o bem mais nobre da sociedade, a vida humana. Crime seguido por uma quantidade muito maior de delitos que perturbam ou mesmo desgraçam a vida do cidadão. Na região metropolitana de Belém, numa escala assustadora. Uma das mais altas do Brasil e do mundo.
O belenense repete uma frase que se tornou, talvez, a mais pronunciada na cidade: quem sai de casa para trabalhar não sabe se volta. É quase uma loteria tornar-se mais uma vítima nos registros oficiais de violência, que apenas absorvem parte da criminalidade diária. Não existe mais área de concentração de crimes, horário ou qualquer outra circunstância. Os criminosos estão mais ativos e não poupam ninguém.
A solução mais desejada é a solução rápida, que parece a mais fácil. Matar bandido, por exemplo. É o que a “bancada da bala” defende, com adesão crescente, marcada pela insensatez de delegar plenos poderes a justiceiros. Eles seguem em sua carreira numa escalada de abusos que levariam a uma indagação fundamental, se as pessoas se permitissem refletir com maior rigor sobre a questão. O que é pior: a doença ou o remédio?Mais exatamente ainda: o remédio prescrito é o correto? Combaterá mesmo a doença?
O delegado é acusado de torturar uma menor que, à época dos fatos, tinha 10 anos de idade. O processo – pelos crimes de extorsão e tortura – foi autuado em dezembro no Supremo Tribunal Federal, por causa do foro privilegiado do parlamentar, tendo como relator o ministro Edson Fachin. O deputado se defende alegando ser esse o único caso em que é acusado de violência ao longo de 30 anos da sua atuação na área da segurança pública no Pará.
Numa nota enviada ao jornal O Globo, a assessoria de Eder Mauro disse que o processo, iniciado em 2008, tramitou na vara de infância “em virtude da prisão de um traficante que, no ato da prisão, alegou ter sido torturado junto com a filha de então 10 anos. Versão desmentida pela menor e por sua mãe anos depois”.
Em seu depoimento, a adolescente teria dito que o pai “a obrigou mentir, ressaltando que não houve arbitrariedade na realização do flagrante do pai. Diante disto, o juízo da infância sentenciou a absolvição em relação à menor e remeteu o caso do pai autuado em flagrante à vara competente”.
Apesar do desmentido, Eder Mauro esteve envolvido em outro episódio de violência, juntamente com cinco policiais então subordinados a ele, todos denunciados por tortura e por forjar um flagrante de extorsão contra uma mulher. Ela teria sido atraída ao escritório do então prefeito da cidade de Santa Izabel, Marió Kató (do PMDB), pela promessa de receber uma dívida contraída pelo juiz do município, Augusto Cavalcante, quando foi abordada e agredida pelos policiais.
A mulher e seus dois filhos teriam sido ameaçados de execução sob a mira de armas de fogo. O relatório do Ministério Público sobre o episódio menciona “intensa sessão de espancamento” e “violento sofrimento físico e mental, conforme comprovado pelo exame de corpo de delito realizado nas vítimas”.
O grupo foi absolvido por falta de provas em 2013. Mas um promotor de justiça apelou. Sustentou que as testemunhas que depuseram a favor de Éder ou possuíam vínculos de amizade ou eram funcionárias do delegado.
“Tratou-se na verdade de uma trama mal ajambrada entre o juiz, o prefeito de Santa Izabel e o primeiro denunciado (Éder Mauro), com o claro objetivo de subtrair da vítima as notas promissórias que comprovam a dívida do magistrado para com a vítima”, acusou a promotoria.
Ele também está sendo processado na justiça eleitoral por causa da segunda maior doação que recebeu para a campanha de 2014, feita por uma pessoa física. Marivaldo Pamplona da Silva doou 51 mil reais, mais do que o total dos seus rendimentos no ano anterior, que somaram R$ 49 mil.
Por causa da doação de Marivaldo, o deputado foi multado pelo juiz eleitoral. O Ministério Público Federal pediu sua inelegibilidade por oito anos. O processo está em fase de recurso.
O principal doador de campanha de Éder Mauro foi a construtora Odebrecht, com R$ 100 mil. Por que a principal empreiteira envolvido no escândalo de corrupção na Petrobrás financiaria um então pouco conhecido pretendente no Pará à Câmara dos Deputados?
Uma carreira tão rápida e propostas tão extremadas não dão tempo nem oportunidade para um questionamento mais profundo, o que favorece a montagem da imagem de paladino dos pobres, humildes e agredidos que o deputado criou para si. O eleitor pode cair na armadilha de tomar por herói personagem que, na verdade, é apenas um produto sagaz desse ambiente de violência indiscriminada, que viceja à sombra da incompetência oficial.

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